O projeto de Lei que abre a possibilidade de generalização da terceirização tem suscitado muitos debates, protestos e manifestações diversas por parte dos sindicatos, partidos e movimentos de trabalhadores. Em termos gerais a proposta que tramita no congresso institui, na prática, a terceirização como forma comum de contratação por parte das empresas. Para muitos, a nova lei da terceirização, se instituída, representa o fim da CLT, a lei que rege as relações de trabalho há mais de 70 anos e cuja inspiração remonta ao ideário fascista, onde as relações de trabalho são firmemente tuteladas pelo Estado. Uma análise mais atenta mostra que não é o caso, mas a questão de fundo que iremos abordar é mais profunda e tem passado despercebida por muitos.
O arcabouço que tutela as relações de trabalho é suportado principalmente pela Justiça do Trabalho brasileira, uma instituição que constitui um Poder independente e que é o sustentáculo das relações trabalhistas, constituindo um dos maiores arcabouços protetores em nível global, sendo muito pouco provável que os benefícios previstos na CLT cessem ou deixem de existir para um determinado segmento da classe trabalhadora, incluindo os terceirizados, dado que isso não passaria pelo crivo da Justiça do Trabalho.
Os críticos da CLT alegam que o excesso de benefícios propiciado por nossa legislação tornam o Brasil pouco competitivo em termos de custo de mão-de-obra, quando comparados a outros países. Para outros, o maior malefício reside justamente na própria Justiça do Trabalho, dado que supostamente esta seria uma Justiça “com lado”, e cuja falta de isenção tenderia a punir o empresariado, frequentemente visto como o “lado malvado” ou perverso. Este reconhecido “pendor” pelo “lado mais fraco” levanta da parte do empresariado críticas não somente acerca da isenção do Judiciário, que se não seria cego, poderia ser caolho, levando a uma insegurança acerca dos verdadeiros custos trabalhistas. Em outras palavras, a reconhecida tendência dos tribunais em favor dos trabalhadores, sem limites, gera um risco trabalhista para as empresas que termina por elevar o provisionamento de recursos para o pagamento de custas judiciais e até mesmo inibe a criação de mais empregos.
A questão da terceirização generalizada, visto que englobaria também a atividade fim das empresas levanta os temores errados. Os direitos trabalhistas e previdenciários serão preservados, segundo a nova lei. Por outro lado, esta terceirização fará mais sentido, evidentemente, para as grandes empresas que contratam mão de obra massivamente. Este fenômeno tem que ser entendido como uma “comoditização”. Commodities são aqueles produtos que podem ser reconhecidos e precificados em qualquer lugar. Aparelhos de celular, equipamentos de informática em geral, softwares de prateleira e variados produtos agrícolas, como a soja, são commodities.
O que o projeto de terceirização visa é permitir que as grandes empresas possam contratar pessoas no atacado, e não no varejo, como ocorre hoje, como se fossem commodities. Por exemplo, se uma empresa precisa de 50 programadores de computador na linguagem XYZ, é isto que ela irá “encomendar” à empresa de terceirização. Se uma determinada empresa precisar de 20 estoquistas, ela encomendará à empresa de terceirização 20 estoquistas, retirados de uma prateleira. Evidentemente, os processos serão mais complexos do que estes exemplos, mas sem dúvida tornará muito mais simples e ágil a gestão de Recursos Humanos
por parte das grandes empresas. A grande empresa paga um valor X para uma ou mais empresas de terceirização e pronto. Todo o restante da gestão, inclusive dos conflitos trabalhistas, que tanto atormentam as grandes empresas, fica a cargo da empresa de terceirização. Para a empresa contratante, sobretudo as maiores, o processo de gestão de pessoal fica, em tese, muito mais simples. Mantendo em seus quadros próprios os valores estratégicos e de liderança, todo o restante da mão-de-obra pode ser terceirizada.
Esta comoditização do trabalhador não é um fenômeno local. Trata-se de um fenômeno global que tem levado à discussão referente ao “fim-do-emprego”. Esta questão, ainda que retirada a sua carga dramática, é bem real para determinados tipos de emprego. Quem tem a oportunidade de viajar pelos países europeus ou pelos EUA não é pode deixar de notar a quantidade de máquinas automáticas de venda de bilhetes de todo o tipo, que certamente já substituíram muito da mão de obra antes existente. Em determinados países já se pensa em soluções que levarão à eliminação dos postos de trabalho dos caixas de supermercado. Em postos de gasolina, nos EUA, você não verá um único frentista.
O tema do “fim-do-emprego” justificaria por si só um outro artigo, mas para nós é suficiente reconhecer que esta discussão encontra-se em estágio avançado. A terceirização é o primeiro passo para agrupar os trabalhadores que podem ser precificados e negociados no atacado. Para você, isto pode significar uma grande perda do poder de barganha, sobretudo se as tarefas que você realiza não podem ser claramente diferenciadas de outros profissionais e, o que fragilizaria ainda mais sua posição, poderiam ser substituídas por softwares que integram inteligência artificial.
A terceirização representa de fato um passo a mais rumo à perda do poder de barganha do trabalhador, que passa agora a negociar com uma grande empresa de terceirização que equipara o seu salário ao de milhares de outros trabalhadores similares. Não há lugar para a diferenciação em tal sistema. O fato é que trabalhar para grandes empresas por meio de tal modalidade de contratação deverá ser a última opção de muitos. A terceirização merece ser discutida mais amplamente, mas o fato é que o movimento ora em curso é muito mais profundo.
Para você profissional do mercado, existem algumas saídas. Uma delas consiste em buscar a especialização permanente. Não se deixe transformar em commodity ! Desta forma, você alternativamente pode trabalhar para empresas menores e que possuam uma proposta mais promissora em um segmento mais especializado ou empreender por conta própria.
Do ponto de vista das empresas, o perigo consiste em perder de vista a capacidade de contratar os melhores quadros e de reter talentos. Os profissionais talentosos dificilmente se submeterão a um regime de trabalho que envolve um compromisso mais frouxo. A rotatividade destes profissionais será, sem dúvida, muito maior. O perigo consiste em criar um ambiente instável e impessoal, desprovido de fidelidade e compromisso de parte a parte. Não será tão fácil administrar o desempenho com terceirizados . Portanto, a questão é muito mais abrangente e global e não se limita meramente aos benefícios básicos garantidos pela CLT.
Coluna ValoRH