Pela primeira vez em 49 anos o Brasil não terá piloto na F-1. Com a saída de Felipe Massa, o País de reconhecidos campeões mundiais ficará órfão de representante na temporada que começará dia 25 de março. Para os próximos anos, se quiser voltar, o Brasil precisará fazer esforço coletivo, na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estado.
Falta de patrocinadores, pouco investimento na base, alto custo de entrada na F-1, ausência de pilotos excepcionais, falta de formação e até o comodismo foram apontados como causas para a ausência de brasileiros no grid deste ano. Para mudar isso, é necessária uma iniciativa que envolva empresas, pilotos, projetos junto ao governo e a liderança da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), dizem os especialistas.
“Não adianta o esforço de um só. A CBA sozinha, por exemplo, não vai conseguir fazer nada. É preciso um trabalho da entidade junto ao Ministério do Esporte, com patrocinadores envolvidos e até os donos dos direitos de televisão”, diz Felipe Giaffone, referência no trabalho de base do automobilismo brasileiro. “Temos de ter um grupo unido e com uma meta.”
Para o bicampeão mundial Emerson Fittipaldi, a volta de um brasileiro ao grid da F-1 deve ser prioridade para o automobilismo do País. Ele cobra apoio das empresas aos pilotos. “Todo mundo quer aparecer na F-1, mas ninguém quer ajudar. Falta apoio”, diz Fittipaldi. “A Petrobrás patrocinou a Williams por dez anos [1998 A 2008] e não conseguiu colocar um piloto brasileiro lá. Agora estamos pagando o preço.”
Em sua avaliação, o automobilismo brasileiro poderia tentar repetir a iniciativa da Escuderia Telmex, criada pelo bilionário mexicano Carlos Slim para desenvolver a modalidade em seu país. “Há 15 anos, Slim me disse: ‘Meu sonho é trazer o GP de volta para o México e ter um mexicano na F-1’. Nos últimos anos, a corrida mexicana é considerada uma das melhores do calendário. E temos pilotos como o Pérez e outros chegando.”
Um projeto desta envergadura, na avaliação do ex-piloto de F-1 Luciano Burti, deveria ser liderado pela CBA. “A confederação poderia apresentar planos de formação de base a empresas e patrocinadores, como bancos, petrolíferas, TVs. É um caminho viável, um investimento para ter um piloto brasileiro na Fórmula 1 daqui a alguns anos.”
Presidente da CBA, Waldner Bernardo de Oliveira diz contar com recursos de projetos obtidos com isenção de Imposto de Renda junto ao governo. Mas admite dificuldades na captação efetiva dos recursos. “A questão brasileira é a captação e não o projeto”, diz o cartola.
Em entrevista ao Estado (leia abaixo), ele diz estar focado em projetos na formação de pilotos, sem preocupação específica de colocar um na F-1. “Entendemos que o papel da entidade não é de fomentar a carreira de um piloto individualmente. Tem de fomentar o automobilismo como um todo. Um projeto de R$ 3 milhões é bem significativo para ajudar uma categoria. Mas é quase nada para fomentar a carreira de um piloto”, diz.
Para os especialistas, a ausência de um brasileiro na F-1 é resultado da falta de investimentos ao longo de décadas. “Não é de hoje. Tivemos sorte no passado. Esta ausência poderia ter acontecido antes”, diz Giaffone, que é comissário esportivo internacional da Federação Internacional de Automobilismo (FIA). “Depois da era dos campeões (Senna, Fittipaldi e Piquet), tivemos Rubinho e Massa, que seguraram esta esperança por anos. Foi a nossa sorte.”
Ele aponta o alto custo para a entrada na F-1 e o crescimento do automobilismo nacional, com a ascensão da Stock Car, como fatores que tiraram pilotos brasileiros do caminho da F-1. “Na minha época, não havia alternativas. Hoje pode-se correr na Stock Car sem precisar sair do País. E os valores absurdos para entrar na F-1 não ajudam. Ou tem patrocinador por trás ou acabou o sonho.”
Além disso, o “comodismo” contribuiu para reduzir o investimento na base. “Todos estavam confortáveis achando que sempre teria alguém na F-1. O brasileiro ficou acomodado e mal acostumado, achando que pilotos brotariam da terra. Agora caiu a ficha”, diz Giaffone.
Por consequência, a formação ficou defasada. “Ficamos atrasados. Os demais países se desenvolveram e o Brasil ficou para trás”, afirma Burti. “Hoje não é necessário ter talento.” Os bons pilotos estão aí ainda. “Nosso kart sempre tem bons momentos. O problema é o passo seguinte. A F-3 é deficiente.”
Fittipaldi, do alto de suas conquistas em nível mundial, concorda. “Você vai numa pista de kart hoje, em qualquer lugar do Brasil, e está cheio de talentos, de idades diferentes. Só falta apoio financeiro”, afirma.
Estadão