Desde ontem, trabalhadores, aposentados e pensionistas podem pedir crédito equivalente a 35% de sua renda. Publicada no Diário Oficial da União, a Medida Provisória (MP) 681 amplia de 30% para 35% o limite de desconto em folha, o chamado crédito consignado, para pagamentos de empréstimos. Segundo a MP, 5% desse limite será destinado, exclusivamente, para bancar despesas contraídas em compras com cartão de crédito.
A MP, que por um lado pode servir de alento para quem está apertado e precisa de um empréstimo com uma taxa de juros menor, por outro acaba agravando a bola de neve que pode se tornar o endividamento, como explica o economista Gustavo Casseb. “No Brasil, as pessoas têm o hábito do consumo e não o de poupar, não há uma cultura de educação financeira”, afirma. “A medida vai garantir que as taxas de juros sejam pagas, por se tratar de um consignado, com juros menores, mas não resolve o problema, já que pode potencializar a dívida”, acrescenta.
Casseb recomenda cautela ao contratar qualquer tipo de crédito diante de um cenário econômico instável e de alta da taxa de juros, com índices que chegam a 13,65%. “Mais do que nunca parcimônia é a palavra do momento”, acrescenta o economista.
Os idosos podem ser os mais atingidos pela MP. Pelo menos é o que acredita o diretor da Associação Nacional dos Executivos em Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac) Miguel de Oliveira. “A categoria é a mais penalizada porque sua renda não teve reajustes de acordo com a inflação”, justifica. De acordo com ele, uma pessoa que recebe R$ 2 mil por mês antes podia comprometer com empréstimo com desconto em folha até R$ 600 (30%). Com a nova regra, o valor sobe para R$ 700 (35%). Porém, R$ 100 só podem ser usados para pagar consignar dívidas do cartão de crédito (veja ao lado).
Troca
“O trabalhador poderá trocar uma dívida cara por uma barata. Porém, se estiver com 35% comprometido, sobram 65% para todas as outras despesas, o que pode levar à inadimplência em outras áreas”, observa Miguel de Oliveira, da Anefac.
Segundo a coordenadora da Proteste Associação de Consumidores, Maria Inês Dolci, não faz sentido o governo ter lançado esta medida após vetar outra semelhante aprovada pelo Congresso em fevereiro. “É uma medida que vai comprometer a subsistência das pessoas”, acredita ela.
Quase metade da renda das famílias brasileiras está comprometida com dívidas, segundo dados do Banco Central. O endividamento das famílias chegou a 46,3% em abril, o maior percentual desde o início da pesquisa feita pelo BC, a partir de 2005.
Dados divulgados ontem pelo Serasa Experian também apontam que a inadimplência tem crescido no país. A fatia de inadimplentes acima dos 61 anos apresentou o maior crescimento em maio de 2015 em relação a maio de 2014, subindo de 11,8% para 12,2%.
Em nota, os economistas da Serasa Experian avaliam que “o crescimento do volume de crédito consignado concedido de 2014 para 2015 é um dos fatores que impulsionaram o aumento da fatia de inadimplentes com 61 anos ou mais”.
Além de precisar segurar as despesas do alto custo com saúde, medicamentos e alimentação, por exemplo, os aposentados, muitas vezes, ainda seguram a “barra” de toda a família com a contratação de empréstimos.
Segundo o educador financeiro Edward Cláudio Jr, o aperto tende a aumentar. “Às vezes, o empréstimo não é nem para o aposentado, mas para alguém da família, mesmo quando ele já está comprometido com outras despesas. Muitas vezes, estes empréstimos não respeitam o orçamento, o que favorece o crescimento da dívida”, diz.
Situação em que se encontram as finanças do aposentado Antônio Izidório, que não revela o quanto deve no empréstimo consignado, mas conta que tem dificuldades de manter o orçamento em dia com o dinheiro que recebe da Previdência. “O grande problema é que a gente não consegue receber o que precisa para pagar as despesas e aí não tem jeito. Tenho que apelar para o empréstimo”.
Segundo o educador financeiro José Vignoli, apesar de os 5% a mais ser exclusivo para cartão de crédito, as pessoas precisam avaliar se a dívida é realmente necessária. “O que não pode é achar que isso é mais um dinheiro disponível. A minha dica é que as pessoas tentem focar nas despesas de sobrevivência delas”, recomenda. “No caso dos aposentados, vale pensar neles em primeiro lugar e não se envolver em dívidas de terceiros. Evite o crédito e veja o que pode ser cortado do orçamento”, aconselha.
Inflação para idosos sobe 2,46% no último trimestre
A inflação percebida pelos idosos encerrou o segundo trimestre de 2015 num patamar menor do que o observado no período anterior. Segundo o Índice de Preços ao Consumidor da Terceira Idade (IPC-3i), divulgado ontem pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), a taxa acumulada entre abril e junho foi de 2,46%, ante aumento de 4,16% no primeiro trimestre deste ano, em função, principalmente, da trégua nas tarifas de energia elétrica.
O resultado do IPC-3i, porém, ficou acima do Índice de Preços ao Consumidor – Brasil (IPC-Br), que mede a inflação em todas as faixas etárias e subiu 2,17% no primeiro trimestre (os números do segundo trimestre ainda não são conhecidos). Em 12 meses até junho de 2015, enquanto o IPC-Br foi de 9,15%, o IPC-3i chegou a 9,37%. Segundo o economista da FGV André Braz, os maiores impactos para os idosos foram nos gastos com energia, medicamentos, água e com plano de saúde.