Em junho de 1972, Nick Ut flagrou com suas lentes uma menina correndo nua, aos prantos, após o vilarejo onde morava ser bombardeado por napalm. O registro rendeu ao fotógrafo o Prêmio Pulitzer e mudou os rumos da Guerra do Vietnã. Décadas depois, em 2016, o Facebook considerou a imagem abusiva e, por algum motivo não revelado, a censurou. Agora, na berlinda pela falta de transparência com que gere dados de 1,5 bilhão de pessoas, a rede social decidiu revelar detalhes de como avalia o conteúdo que deve ser banido. E autores de publicações retiradas do ar poderão apelar da decisão.
“Uma das perguntas mais frequentes que recebemos é como decidimos o que é permitido no Facebook”, disse Monika Bickert, vice-presidente de Global de Gerenciamento de Produto, em comunicado. “Há anos temos Padrões da Comunidade que explicam o que deve permanecer ou ser removido da plataforma. Hoje, estamos dando um passo a frente ao publicar as diretrizes internas que usamos para cumprir esses padrões. E pela primeira vez, estamos dando a você o direito de apelar às nossas decisões sobre postagens individuais para que você possa pedir uma segunda opinião quando achar que cometemos um erro”.
Até então, os usuários eram informados de forma vaga sobre o que poderia ou não ser publicado na rede. A documentação divulgada explica, por exemplo, o motivo da censura à fotografia de Nick Ut — ela foi republicada pela empresa, com pedido formal de desculpas. É proibida a publicação de “conteúdo que caracterize nudez infantil, em que se define nudez como genitália exposta” e “ausência de roupas do pescoço aos joelhos para crianças que não são mais bebês”.
Os seios femininos também são alvo constante de polêmicas. O Facebook deixa claro que a exibição de imagens com nudez ou atividade sexual é proibida, mas expressões artísticas ou científicas são permitidas. Em março deste ano, a rede censurou uma imagem do quadro “A Liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix, ícone da Revolução de Julho. Foi um erro.
Segundo a documentação divulgada nesta terça-feira, “mamilos femininos descobertos” são proibidos, “salvo no contexto de amamentação, parto e momentos pós-parto, saúde (por exemplo, mastectomia, conscientização sobre o câncer de mama ou cirurgia de confirmação de gênero) ou ato de protesto”. Além disso, “fotos de pinturas, esculturas e outras obras de arte que retratem figuras nuas” também são permitidas.
NOTÍCIAS FALSAS NÃO SÃO REMOVIDAS
Sobre as notícias falsas, não existe uma política de remoção de conteúdo publicado na rede, mas um esforço para reduzir a disseminação do material na rede social. “Existe uma linha tênue entre notícias falsas e sátiras ou opiniões”, diz a diretriz interna. “Por esse motivo, não removemos notícias falsas do Facebook, mas, em vez disso, reduzimos significativamente sua distribuição, mostrando-as mais abaixo no Feed de Notícias”.
Alguns pontos do documento chamam a atenção, como a proibição de participação na rede de “assassinos em série ou em massa”. Criminosos condenados por matar uma pessoa podem participar da rede, mas se mataram duas ou mais, em diferentes ocasiões; ou quatro ou mais, num mesmo incidente, são proibidos.
Em entrevista à Associated Press, Monika afirmou que a divulgação das diretrizes detalhadas é resultado de um trabalho de longo prazo, não tendo qualquer relação com as pressões recentes sobre o diretor-executivo da companhia, Mark Zuckerberg, após o escândalo envolvendo a Cambridge Analytica.
— Eu estou neste trabalho há cinco anos e sempre quis fazer isso — contou a executiva. — Decidimos publicar essas diretrizes internas por dois motivos. Em primeiro lugar, elas ajudarão as pessoas a entenderem onde traçamos a linha em questões sutis. Segundo, ao fornecer esses detalhes tornamos mais fácil para que as pessoas, incluindo especialistas em diferentes campos, nos deem feedback para que possamos melhorar as diretrizes e as decisões que tomamos.
7,5 MIL FUNCIONÁRIOS REVISANDO CONTEÚDO
Ela explicou que as diretrizes internas estão em constante evolução, sendo alteradas de tempos em tempos dependendo das demandas. Mesmo assim, não é tarefa fácil gerenciar tamanha quantidade de conteúdo, em diferentes países. Como uma empresa global, o Facebook precisa lidar com questões culturais e regionais na definição do que pode ou não ser permitido. Por esse motivo, algumas regras são radicais, como a proibição do nudismo. Segundo Monika, é difícil determinar visualmente o “consentimento e a idade” das pessoas fotografadas.
Para analisar todos os conteúdos denunciados, a companhia usa ferramentas de inteligência artificial, mas elas não são capazes de apontar questões contextuais sutis, nem o humor ou a sátira. Por isso, um exército de 7,5 mil funcionários, espalhado por escritórios em 11 países, faz a revisão do material em 40 línguas diferentes. Mesmo assim, humanos cometem erros.
“Em alguns casos, nós cometemos erros poque nossas políticas não são suficientemente claras para os nossos revisores de conteúdo. Quando este é o caso, nós trabalhamos para preencher essas lacunas”, afirmou Monika. “Eventualmente, no entanto, cometemos erros porque nossos processos envolvem pessoas, e as pessoas são falíveis”.